sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Curiosidade, esse tal de "impulso migratório instintivo"

Vinte e oito de fevereiro, fins de verão, terça-feira de carnaval, último dia do mês. E novos lugares nas fotografias e nas lembranças, experiências na vindima da Villa Valduga. No Uruguai, fiz registros em Punta del Este, em Montevideo e em Pueblo Garzón, onde conheci a produção de azeites de oliva de Colinas de Garzón e a vinícola Bodega Garzón, ambas da empresa Agroland. Há uma lista de temas a contar, relatos de viagem, informações e endereços, sabores e perspectivas, mas hoje, em especial, é dia de falar sobre uma das virtudes que move os viajantes: a curiosidade. Bruce Chatwin, escritor inglês que adotou a caderneta moleskine como mascote nos percursos que fazia, tem uma citação que declara essa qualidade viajeira nas entrelinhas: 

Poderia ser, eu pensei, que a nossa necessidade por distração, nossa mania pelo novo, fosse, em essência, um impulso migratório instintivo similar àquele dos pássaros no outono?” (Bruce Chatwin)

Sou curiosa, desde muito cedo. Meu olhar é atento para as descobertas, gosto de encontrar novidades a conhecer, de sentir o vento no rosto e de me sentir sem saber onde estou no mapa. Quando viajo, contemplo cenários e cenas, deixo que a paisagem me toque, e só então sei que estive ali. Nos percursos, misto de desvario e de controle, tenho vontade de errar o caminho para andar por outros trechos. Me encantam aqueles de terra entre os campos verdes, quando não sei fim e começo. Não quero saber do relógio, mas repito com insistência não fazer ideia de que horas serão, numa espécie de paradoxo entre este eu-viajante que se solta e o eu-cotidiano que se alinha aos ponteiros.

 Descobri muito de mim nessas férias de verão: depois de sonhar por muito tempo em participar da vindima, fiquei surpresa com minha reação à colheita da uva, porque sempre imaginei que a emoção da pisa seria insuperável. Colher foi transbordante. Presenciei o pôr-do-sol na Casapueblo de Vilaró, em Punta Ballena, com a voz do artista recitando o poema durante o cair do sol, mas para essa experiência não encontrei palavra. Inesquecível seria um termo trivial para descrever. A cena fica impregnada na pele, nos olhos, no peito, em tudo.

Por alguns dias, fechava os olhos e ouvia a poesia acompanhando o fenômeno. Uma barbaridade de tão lindo!

Nos pampas uruguaios, de tanto olhar para os verdes, as porteiras, os caminhos,  emudeci de conversa falada.   Quando vi o horizonte lânguido, se espreguiçando de corpo inteiro, deu ímpeto  de imitá-lo. Imaginei a cena, e tantas outras, como entrar num daqueles terrenos que vão longe, pelo traçado único e estreito de terra que sempre desperta meu querer porque leva a um não-sei-onde. Se tem uma casa de estância, lá no fundo, quero entrar e aceitar o convite para o café-da-tarde. E isso acontece no mar, também, quando vejo um barco ou  um navio: o desejo pela aventura, pela experiência de sentir. Vi os pescadores chegando de noite no porto, vestidos num macacão laranja que rompia o escuro daquela hora. Trabalhavam uns mexendo nas redes, outros nos peixes, e a força da imagem era tal que o cheiro, o vento e os sons se misturavam como se tudo fosse uma coisa só. De novo, transbordei. Não tinha viajado com eles nos barcos de pesca, não sabia de onde vinham, nem qual o destino, depois dali, mas assistir ao momento da chegada, com peixes grandes e cintilantes, me fez sentir parte.

E é isso que a viagem faz, nos torna parte do novo que os sentidos capturam. A condição de viajantes nos entrega ao inusitado, e a emoção de estranhamento com o que nunca vimos fica carimbada em nós. Em um instante, somos pescadores, camponeses, habitantes de uma ilha, cozinheiros, artistas que escrevem poemas para o sol. Estamos ali, fazemos parte da natureza onde há a porteira, o caminho, a rede de pesca, o vento de longe. E se aquilo fosse rotina, caminharíamos distância ainda maior, para conhecer o que está fora da vista. Essa é a curiosidade do viajante, nosso "impulso migratório instintivo similar àquele dos pássaros no outono", do Bruce Chatwin. 
Essa é a força que move meus passos em território desconhecido: querer conhecer, experimentar, viver.

Sigo adiante nos próximos dias, com os pormenores dos lugares por onde andei neste mês. Registrei anotações do Moleskine, como fazia o escritor nas suas cadernetas. Quando volto às páginas antigas, sempre encontro ali os vestígios desse meu traço talvez nômade, talvez pássaro migratório. Sou cotidiana, mas, de vez em quando, preciso partir em uma nova expedição.  


Com carinho,
Betina





O Turismo de Experiência

Queridos leitores!

Aproveitando que é tempo de férias de verão em nosso Hemisfério Sul, quero conversar sobre uma espécie de viagem que tem ganho cada vez mais destaque no quesito sair da rotina: o turismo de experiência. Seja para períodos longos ou finais de semana prolongados, seja com o amor, a família, amigos ou mesmo sozinho, seja no próprio estado ou fora do país, há uma força crescente, em âmbito global, dessa forma de viajar. 

A escolha por esse tipo de passeio tem a ver com a consciência atual sobre algo que mencionei no post de ontem, a prática de saborear o tempo. Ao escolher um pacote que propicie atividades múltiplas, unidas por um propósito específico, algo de muito positivo se move em nós: o sentimento de fazer parte. E mais ainda, a plenitude do eu-viajante,  essência aventureira em cada um. Nas viagens, despertamos para detalhes e emoções, encontrando mundos diferentes daquele do eu-cotidiano. 

No turismo de experiência, tomamos contato com o novo, dentro e fora de nós. Dentro, pelas mudanças bioquímicas, como o aumento do neurotransmissor dopamina, por exemplo, colocando em ação a curiosidade e as sensações prazerosas pelo inusitado. Passamos a conhecer mais de nós, pelo estímulo a vivenciar nossas reações em um tempo e um espaço característicos, integrados com outras pessoas. Fora, tomamos contato com o novo através dos cenários, dos roteiros, das tradições e folclores, dos figurinos de uma oportunidade incomum até então.  Esse jeito de viajar provoca nosso ser em toda sua extensão, em termos da relação com o corpo, com as emoções e até com a transcendência, pois a participação em uma atividade fora do habitat pode assumir um caráter também meditativo. 

Quando nos propomos à experiência, estamos decidindo por um modo de viajar que tem como eixo o um propósito específico. Claro, qualquer viagem envolve a prática de vivenciar o espaço visitado. A diferença é que, em outras formas de exploração do local, partimos ao nosso destino com o objetivo de vivenciar múltiplas possibilidades, ao contrário de um projeto de viagem com um foco estabelecido. Muitas vezes, como viajante, deixo-me conduzir pelo acaso feliz, não planejando roteiros, permitindo que o território me surpreenda.  Entretanto, a indicação em comum em todas as espécies de  deslocamento: é válido que estejamos por inteiro na proposta, através de nossos sentidos,  e atentos ao seu idioma: a percepção. Trata-se de um treino, e enriquece muito nossa sensibilidade. Estamos ali PARA viver determinada cena, colocando em ação quem somos. Cada experiência traz à tona um pouco mais de nós, e nas viagens isso fica ainda mais tangível. Nas viagens com propósito, por exemplo, isso é muito intenso, pois a vivência de uma tradição ou o aprendizado de uma capacidade demanda de nós a dedicação máxima ao momento presente.

Palavras que, para mim, resumem esse modo de romper o cotidiano:  vivência, prazer, aprendizado, autoconhecimento, integração, desafio. A Vindima 2017, proposta pela  vinícula gaúcha Casa Valduga, como já é tradição  em edições anteriores, apresenta esses atributos em sua programação. 

Querem saber mais?
Conto em detalhes no próximo post!!!

Com carinho,
Betina

sexta-feira, 3 de março de 2017

Revitalizando a escrita à mão

Pois é, cadernetas de viagem, cadernos de receita e agendas de papel ainda são formas de mantermos viva a escrita à mão, em tempos de smartphone, magia contemporânea em que cabe o mundo. Interessante é que, nesses três elementos, os registros são muito singulares, e expressam a identidade de quem escreve tanto pelo conteúdo quanto pela caligrafia.

Anotações viajeiras, como abordei ontem, receitas culinárias do caderno com manchas de farinha e de gordura, agenda com rabiscos e rasuras, palavras apressadas, notas dos compromissos e demandas do dia, da semana, do mês, do ano: todas são possibilidades de expressão de aspectos individuais, e para fixá-los escolhemos nossa letra.

Eu poderia citar, sem dúvidas, outros recursos, hoje quase antiquados: as cartas, os cartões em datas comemorativas, as agendas de telefones e endereços, os antigos diários, ou até mesmo aquelas agendas da adolescência com colagens e descrição minuciosa de cada evento romântico. E uma das formas que permanece viva é aquela das anotações nas páginas de livros, hábito que identifica o leitor  em seu processo de interação com a obra. É possível compreender esses exemplos como uma espécie de preservação da  subjetividade em uma dada época da história pessoal, pois o tempo vivido fica cristalizado através do texto manuscrito. 
Estamos ali, na página: a nossa caligrafia nasce do nosso corpo. 


Assim, a escrita à mão é uma experiência de encontro com a própria letra, com os gestos e movimentos específicos de cada um. Sim, está quase fora de moda, mas tem havido, ultimamente, a tendência ao retorno dessa prática. Tenho lido e acompanhado materiais sobre os benefícios da escrita à mão, em bullet journals e na retomada de hábitos antigos, como a experiência do caderno de receitas. Foi com esse intuito que fiz do meu "Pequeno Alfarrábio de Acepipes e Doçuras" um livro caderno.  A partir da página 170, o leitor passa a ser autor de suas próprias receitas e histórias de cozinha, nas páginas pautadas do livro.
Além desse uso, as cadernetas e blocos de viagem estão cada vez mais na moda, para a escrita desavisada e sem ordem definida. O viajante escreve da forma como se locomove pelas cidades desconhecidas. Afinal, andar pelo branco da folha  com a própria letra é como  caminhar pelos lugares e perceber o estranhamento do novo através dos cinco sentidos. 

Você ainda escreve à mão?

Com carinho,
Betina

quinta-feira, 2 de março de 2017

Sempre levo um Moleskine

Começo a conversa contando que meu primeiro Moleskine não foi um Moleskine, porque na época em que comecei a registrar viagens ainda nem conhecia estas cadernetas. Fazendo hora no aeroporto Fiumicino, antes de voar para Pisa, tive ideia de buscar um diário, um caderno, ou um bloco qualquer de anotações. Eu sabia que era preciso um espaço de escrita à mão, que me acompanhasse na rua, nos cafés, nos momentos de silêncio ou naquelas simples notas que a gente faz, em pé no meio  da calçada, para não esquecer um local curioso.


E este foi o primeiro diário de viagem, comprado em 27 de maio de 2004, foto feita agora. Busquei na gaveta, onde fica guardado como recordação. Rastros mil dos percursos e medos, das comidas e dos horários de trem, dos livros e dos feitos de cada dia. Cronologia certinha, primeira quinzena registrada em detalhes. Depois, só passagens breves para lembrar de lugares ou de cenas locais.

Foi, então, na Itália que começou minha intimidade com essa forma de escrita, e nos primeiros dias conheci os verdadeiros Moleskines, aqueles inspirados nas cadernetas de mesmo nome, mas com inicial minúscula e genérica, que o inglês Bruce Chatwin usava em suas aventuras.  Era um verdadeiro mascote. De cara, tudo me encantou, mas por nenhum motivo em especial. Trata-se de um caderninho comum, preto, com elástico, folhas em tom creme, de um material oleoso, marcador em cetim. Capa dura, firme, com bordas arredondadas, que forma com esse elástico lateral uma espécie de amigo íntimo, confidente. Cabe no bolso dos casacos, nas bolsas menores, é leve e discreto. 

Dentro, na face interna da capa posterior, um bolso para os cartões, guardanapos com endereços de cafés, embrulhos de chocolate e bilhetes de ônibus ou de trem dobrados em mil. Este foi o primeiro de muitos, e as primeiras páginas ainda guardam observações da cidade, com rasuras pela correção da ortografia, glossários para aprender termos locais, horários de abertura e de fechamento dos negócios, nomes dos queijos e dos embutidos locais, livros para comprar na próxima ida à livraria que tinha um pátio com uma grande mesa e bancos, no jardim de inverno no fundo da loja, restaurantes graciosos onde voltar, e assim por diante. E, claro, confissões, surpresas e agonias que surgissem. Ainda não sabia usar direito (se é que esse 'direito' existe), e anotava de tudo, sem uma ordem de acontecimentos ou de percepções. Como diário, usava o Fabriano, que comprei no aeroporto, e ficava em casa para as notas da noite. A caderneta famosa, que eu nem sabia que tinha história, levava comigo. Até hoje, quando viajo, sempre levo um Moleskine. 


Sim, este objeto tem história. Dentro dele, vem um folheto explicativo, que li em casa, ao abrir o pacotinho da loja. Picasso, Hemingway e outros artistas também usaram o objeto, para escrever, pintar ou rabiscar. O tal Bruce Chatwin era um jornalista, escritor de viagens, e comprava centenas desses para cada percurso, a partir dos quais escrevia suas obras. Eram tão valiosos para ele que, na primeira página, colocava  seu nome, o valor de recompensa a ser paga a quem o encontrasse, caso fosse perdido. Numerava as páginas e tecia várias reflexões sobre cada detalhe. Eram feitos por uma fábrica familiar na cidade de Tours, na França, como simples cadernetas de viajantes. Conta-se que ele teria, certa vez, encontrado um bilhete na loja dizendo que os moleskines não seriam mais fabricados, e na ocasião teria comprado os últimos. Em homenagem ao escritor, uma pequena editora de  Milão, em 1997, passou a produzir as cadernetas com o nome antigo, nascendo os famosos Moleskines: estes têm, na primeira página, o espaço para o nome do proprietário, o traçado para o valor do reembolso em caso de perda, como registro do uso que Chatwin fazia nas suas próprias. Foi mantido o elástico e o bolso na face interna da última capa, o marcador em cetim e a capa tradicional, mas muitas outras cores, páginas internas, texturas e usos foram criados. 
Mais sobre a história da marca, Neste link


Dez anos e muitos Moleskines depois, escolhi para as aventuras na Província de Girona, na Catalunha, o Moleskine amarelo. Foi nele que registrei minhas notas sobre os sabores gironinos, a visita à Queijaria e Hospedaria Mas Alba, endereços, telefones e nomes de livros, ingredientes e produtos da região, lugares a conhecer. De vivências e percepções dos pratos à perplexidade frente aos cenários, tudo escrevi nas suas páginas de tom creme e linhas suaves. É nessa caderneta que registrei as memórias das primeiras pesquisas sobre o território de Girona. A cada texto que hoje escrevo sobre as comarcas e suas especialidades, volto a abrir o elástico que segura minhas lembranças bem guardadas, como se cada sensação habitasse o Moleskine. Como se, ao folhear, fosse possível sentir o cheiro dos queijos, dos vinhos, do pão, dos embutidos locais.
O  que sinto, passando por todos os caderninhos de viagem que tive desde 2004, é que as anotações são parecidas: sabores, aromas, cores, sons, texturas dos pratos e dos cenários que visito. Produtos feitos no local, vendidos nas feiras e nas delicatessens de bairro, receitas, livros de cozinha e livrarias pitorescas, vinhos e licores, cafés tomados em um balcão de bar. 


Os Moleskines e assemelhados, como o primeiro Fabriano, são fiéis narradores do meu jeito de sentir o desconhecido, e encontro, no correr das páginas, este eu-viajante tão presente nos percursos que marcam minhas viagens.

Você registra suas experiências viajeiras? à mão, no Smartphone, na câmera fotográfica?
Como você grava suas memórias?

Compartilhe relatos e experiências, é sempre valioso conhecer outras narrativas e olhares.

Abraços,
Betina

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Primeiras notas sobre a Vindima

Queridos amigos, leitores e amigos-leitores!

E eis que, neste último final de semana, entre 09 e 12 de fevereiro, fui para a Vindima da Casa Valduga, de que tanto contei aqui. O primeiro post sobre as experiências, "De vinhas e de roseiras", está no forno, e logo logo vai ficar pronto. 
Posso adiantar uma coisinha, apenas: a experiência  oferecida pela Famiglia Valduga é plena, através da programação rica em surpresas, do afeto e do mergulho na imigração italiana no RS. O conjunto da obra, proporcionado pelas atividades que realizamos com o grupo de hóspedes e com a equipe foi, sem exageros, revolucionário dentro de mim. Um transbordamento do Eu-Viajante, que encontra, no espaço a descobrir, o seu alicerce, a sua força motriz. As raízes sólidas na vida cotidiana, próprias de uma criatura rotineira feito eu, dão lugar ao desejo pelo  território desconhecido. E quando me refiro ao espaço e aos seus sinônimos, vou além da questão geográfica: estou também falando do campo que se abre frente a uma nova experiência. Claro, eu conhecia o Vale dos Vinhedos, mas nunca tinha me aventurado a colher uvas, sentindo o cheiro úmido e doce por toda a atmosfera, ouvindo o coral Terra Nostra cantando músicas italianas, tocando o cacho com a mão esquerda, enquanto o polegar direito fazia a pressão no tom exato para arrancá-lo, provando direto da parreira o gosto daquela pequena esfera violeta.  
Conheci uma nova característica do meu Eu-Viajante: não apenas gosta de ser desafiado pela novidade, mas é profundamente tentado a aproximar-se do detalhe. Então, contempla cada nuance com os sentidos, e caminha pela experiência devagarinho, para não despertar a lógica. Nas viagens de um dia ou de um mês, é essencial permitir o novo, que nasce no mundo interno quando abrimos nossas janelas.

Com carinho,
Betina

sábado, 14 de janeiro de 2017

Programação da Vindima da Casa Valduga


Imagine-se, querido leitor, interrompendo suas atividades de trabalho já na quinta-feira ao meio-dia, em pleno verão. Para quem fica no calor da cidade, nos meses de janeiro e fevereiro, a pausa mais longa é um bálsamo. Você vai sair mais cedo naquela quinta por uma razão extraordinária: estará de partida para a Casa Valduga, em Bento Gonçalves. Essa razão, por si, já seria suficiente para aquele misto de alegria e entusiasmo que acompanha um final de semana prolongado. Acontece que seu motivo é outro: está indo para a festa da Vindima, organizada pela Famiglia Valduga para seus hóspedes. 
Na própria quinta, começo da tarde, você chega. Tem tempo de fazer aquela sesta e de passear, antes da noite, ocasião do jantar receptivo. 
A sexta-feira começa cedo: o café da manhã, ao som de piano, espera desde as 7:30. Às 10:00, há uma oficina de capeletti e outra de chimia de uva, consecutivas. Então, vem o almoço, com visita à Casa Madeira; às 14:00, ocorre a visita à Dommo e Cave de Pedra. À noite, o jantar é no Jardim Leopoldina, do Complexo Valduga, às 20:00.
No sábado, o café da manhã é sob os parrerais, às 8:00, e você sai para a experiência da colheita das uvas às 10:30. Em seguida, às 10:45, parte para o trabalho em campo nas videiras da família. A folga vem na hora do almoço, que é servido às 13:00: uma deliciosa comida típica italiana. À tardinha, às 17:00, você está no café da tarde, saboreando quitutes, embutidos, queijos, chimias e outras saborices locais. Às 18:00, faz a visita à Capela das Neves e, a seguir, à Unidade de Vinificação, às 19:00. Às 19:30 ocorre a pisa das uvas, momento especial de contato com a tradição. À noite, o jantar de encerramento tem início às 21:00. 
No domingo, o check-out é às 13:00, mas pela manhã você pode passear pelo Complexo, dormir até mais tarde e saborear o café da manhã, ou participar do curso de degustação de vinhos, oferecido pela Casa Valduga. O curso é gratuito para os hóspedes, mas é necessária a inscrição. Tem duração média de 4 horas. 
A experiência é de mergulho na cultura local, mesmo. Deleite-se em cada etapa da programação. No Turismo de Experiência, as atividades têm o propósito de colocar o viajante em contato com a vida do território, em várias facetas, propiciando nele a riqueza de sentir-se parte. O valor está na possibilidade de imergir em práticas da vindima, participar dos rituais de colheita e de pisa, pôr em ação os cinco sentidos e saborear a enogastronomia regional. A realização de uma vivência fora da rotina causa um estranhamento positivo ao cérebro e ao corpo, gerando prazer, curiosidade e motivação. A presença de um grupo envolvido na tarefa propicia a integração entre os participantes, também benéfica para a saúde. A realização das atividades da vindima faz de você um vindimadeiro, agregando aprendizado e alegria através de ações até então desconhecidas. 
Há outros pontos a comentar, mas por hoje fico aqui. No próximo post, novas reflexões e conversas sobre o tema. 
Visite aqui a  Programação da Vindima da Casa Valduga, clicando no link.

Na página da Casa Valduga, você encontra os pacotes de um, dois ou de três dias, e seus respectivos valores.
Telefone e email:  (54) 21053154 (Angélica Carraro)  ou reservas@famigliavalduga.com.br

Com carinho,
Betina

Tempo da colheita, colheita do tempo

Vindima: [ Do lat: vindemia]. S. f.  Colheita ou apanha de uvas; vindimadura. (...) 2. Uvas vindimadas. 3. P. ext. O tempo da vindima (1). 4. Fig. Colheita de qualquer fruto. 5.Granjeio, aquisição.

Outros termos: vindimadeiro/vindimador, vindimado, vindimadura, vindimal, vindimar, vindimo. 

Um desejo que sempre tive:  participar da colheita e da pisa das uvas. O encontro dos tecidos do vinhedo e da minha pele. Nas mãos, nos pés. Pele-raiz, que reconhece, nos cachos, natureza viva, pulsante como a sua. Me torno parte de um cenário até então desconhecido para mim. Surge o inusitado, o extraordinário, que dá à viagem um sentido especial, como algo que impregna minha bagagem afetiva. A vindima é uma experiência completa, nesse aspecto: vejo, escuto, toco, cheiro, degusto. Mergulho na prática da colheita e da pisa, no deleite de um café da manhã no parreiral, na diversão das oficinas de capeletti e de chimia de uvas. Saio a campo, com o grupo, realizando uma ação que se repete em tantos tempos e em tantos lugares; colhendo e pisando as uvas, passo a fazer parte desse ritual.  Escolho usar meus sentidos para essa novidade, colocando na tarefa minhas emoções e lembranças, meu corpo, as sensações. No turismo de experiência, este é o foco: tornar o vivido em algo significativo, que melhore o bem-estar e propicie o sentimento de pertencer  ao universo visitado.
Pois a Casa Valduga oferece essas riquezas ao hóspede, na programação de sua Vindima. Faz dele um vindimadeiro, conectando-o com essa prática ancestral. Coloca-o em contato com a cultura da colonização italiana no Rio Grande do Sul, com as tradições e memórias da Famiglia Valduga. Propicia que mergulhe na experiência de vindimar, tocando a vinha e sendo tocado por ela.

É o tempo da colheita. E a colheita do tempo.
 Entra em cena a sabedoria de espera que as uvas têm.A espera pelo tempo propício: paciência e perseverança. Na vindima, colhemos também essas virtudes. Byung-Chul Han, filósofo e escritor da Coréia do Sul, em seu livro "O aroma do tempo- um ensaio filosófico sobre a arte de demorar-se",  esclarece o sentido da espera, em especial na época ultraveloz do século XXI:
"O intervalo temporal se estende entre duas situações ou acontecimentos.O intermediário é um tempo de transição. (...). O intermediário que separa a partida da chegada é um tempo indefinido, em que se deve prever o imprevisível. Mas também é um tempo de esperança ou da espera que prepara a chegada."

De tudo isso, as uvas sabem. Por essa razão, não se apressam.
Vindimar é colher a sabedoria profunda que a natureza tem: o tempo propício.

Um dos principais desafios deste século é o de (re) aprender a demorar-se em uma prática, em um talento, em um hobby ou na vida cotidiana; a oportunidade da imersão nesse Turismo de Experiência da Casa Valduga promove esse atributo. Demorar-se, aqui, significa usufruir de algo na plenitude dos giros do relógio, sem desejar que corram em alta velocidade. Significa, de modo profundo, permitir-se vivenciar o estranhamento que a nova experiência provoca no Ser, tenha essa a duração que tiver. Precisamos retomar certa lentidão na vida, para que haja espaço de sentir. No ritmo frenético em que o mundo caminha, perceber a ação dos nossos cinco sentidos já não é natural em nós. É preciso tempo para sentir um aroma tocar nossa intimidade, ou para saborear um prato da infância. O imediatismo tira de nós a sensibilidade: suprimimos as percepções que requerem nosso foco, como o tato, o aroma e o paladar. Ver e ouvir, ações instantâneas, nos poupam trabalho de prestar atenção e de desenvolver a consciência. Estamos ficando preguiçosos na conexão com os cinco sentidos, portas de entrada de nossas emoções, memórias e reações físicas.

Pensando em tudo isso, decidi escrever sobre essa oportunidade. Participar da vindima é retomar o elo com o sentido do tato, ao tocar as uvas com as mãos, na colheita, e com os pés, na pisa. É conectar-se com o olfato, nos tantos aromas que a terra e as vinhas oferecem, e com o paladar, naquela uva roubada que levamos à boca, de surpresa. Sobretudo, é uma preciosa experiência multisensorial, que inclui a visão e a audição, além dos sentidos que referi. São experiências prazerosas como essas que ficam em nós, no corpo e nas emoções, ao retomarmos o cotidiano.O prazer é um sentimento do corpo, vivenciá-lo é dar voz à nossa vida física e anímica, ou seja, à saúde.

Na Vindima da Casa Valduga, são diversos os benefícios ao bem-estar:

-enriquecimento da percepção dos sentidos
- a prática do demorar-se
-O 'fazer parte'
- a vivência do ritual da colheita e da pisa
-a interação com o grupo de hóspedes, nas atividades propostas
-O contato com a cultura, a gastronomia e as tradições locais
-O conhecimento do território em suas belezas
- a conexão consigo mesmo, nas práticas que demandam o foco na percepção sensorial.
- a consciência de si
- a relação com os tempos da natureza
- e outras que o leitor imaginar.


No post a seguir, conto a programação.

Com carinho,
Betina